Thursday, September 16, 2010

Olhar distante



Quantas vezes me pego com um olhar distante, vazio e sem esperança.
Não sei bem onde estou e o que penso.
Talvez, voltando ao passado para afogar a saudade de alguém ou de algum lugar. Relembrar momentos de uma infância gostosa, mas cheia de privações. Tentar sentir o cheiro da terra, depois de uma chuva de verão, ou, quem sabe, lembrar das tardes em que, sentada na calçada, jogava Três Marias.
Não sei bem como recordar, se devo recordar, ou apenas ter vagas e tristes lembranças.
Na memória ainda guardo o toque da sirene de ambulância, ao passar na noite. Dias de sol que demoravam a passar até que a noite chegasse. Ou, recordar da mangueira que fazia sombra no quintal, e do pé de jamelão do vizinho.
Das tardinhas em que brincava de roda, ou pulava corda.
São tantas e pequenas recordações da infância, que vão se perdendo na memória.
Assistir televisão no vizinho, ou na inocência de criança, correr de um lado para o outro, gastando energia.
Lembranças dos padeiros ao gritarem, e da cocada, feita em tachos de cobre, que corríamos para comprar, e que jamais serão esquecidas.
Tardes e mais tardes a andar de bicicleta, esperando o tempo passar.
Como é interessante a vida!
Crianças esperam o tempo passar; quando envelhecemos, esperamos a vida acabar. Cada dia e cada minuto se tornam preciosos.
Nas lembranças do tempo, como num filme, voltamos a ser criança, voltamos à escola e começamos querer lembrar daqueles, que como a gente, hoje, também, contam os minutos.
Ah, que maneira difícil de ver a vida!
Mas, a lembrança vem e vai, da chuva grossa que fazia medo, e do sol que brilhava diferente. Das tardes longas e das noites frias. Das idas e vindas da escola.
Ah, Mamãe! Quantas zangas, castigos e palmadas.

Quantas idas à feira, de bicicleta, trazendo bananas e laranjas em uma sacola pendurada no guidon.
Coisas gostosas de lembrar: doce de coco queimadinho, que mal esfriava e das guloseimas que comíamos. Do bolo de macaxeira, raro, mas, dele ainda sinto o cheiro.
Quantas vezes, ao anoitecer, a ouvir “Jerônimo o Herói do Serão”!
Quantas imaginações se criavam na nossa cabecinha infantil: cavalos cavalgando, relinchando; porteiras se abrindo, como velhas portas, nos faziam viajar na mais linda viagem inocente.
Das lições de casa e das tabuadas terríveis de decorar, da professora particular, que ainda usava palmatória para nos castigar, quando errávamos, ou nos mandava ajoelhar sobre caroços de milho.
Tenho a impressão que é por isso que, até hoje, detesto me ajoelhar. Acho que, esqueciam de que criança também tem sensibilidade.
Mas, tudo passou, e não foram os castigos que fizeram de mim mais ou menos gente.
Hoje, estou a recordar sem mágoas, só como lembranças.
Meu olhar continua vagando à procura das coisas engraçadas do passado.
Estou na cadeira de balanço, o cochilo chega, e já não estou mais aqui para lembrar. Quem sabe, ao despertar, mais uma vez eu volte ao passado e continue à procurar, com este olhar distante, algo que restou na memória.

Copyright ©2008 by Lys Carvalho
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1 Comments:

Blogger Bia Ferraz said...

Olá Lys, tudo bom?
Olhe, sei que estou em dívida com você porque o lançamento do livro aconteceu num dia de semana e eu jurava que cairia num sábado, enfim.
Obrigado pela atenção e carinho e espero que continue acompanhando o blog para que eu possa desfrutar com frequência da sabedoria de seus comentários e conselhos sobre a escrita.
Beijos.

12:01 PM  

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